A Quebra da Imparcialidade e a Desproporcionalidade
A Quebra da Imparcialidade e a Desproporcionalidade
nas Penas dos Réus de 8 de Janeiro

A atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) nos processos relacionados aos atos do dia 8 de janeiro de 2023 tem gerado intenso debate, especialmente no que tange à imparcialidade do Ministro Alexandre de Moraes e à severidade das penas impostas. A condução concentrada de investigações, decisões cautelares e julgamentos pelo mesmo magistrado, que inclusive se manifestou publicamente sobre os fatos em tom acusatório, levanta questionamentos legítimos sobre a observância do devido processo legal. No modelo acusatório adotado pela Constituição de 1988, é vedado ao juiz acumular funções típicas da acusação e do julgamento. No entanto, Alexandre de Moraes presidiu os inquéritos, decretou prisões, conduziu audiências e, por fim, julgou os réus — o que configura uma grave ruptura da imparcialidade exigida pela Constituição (art. 5º, LIV e LV) e pelo Código de Processo Penal (art. 254).

É necessário lembrar que a imparcialidade do julgador é princípio basilar do devido processo legal (art. 5º, LIV e LV, da Constituição Federal). Ao mesmo tempo, o Código de Processo Penal, em seu artigo 254, prevê hipóteses de suspeição que podem comprometer a neutralidade do magistrado. No entanto, o que se tem observado é que Alexandre de Moraes, além de presidir o inquérito, atuar como relator dos processos e decretar medidas cautelares, também se manifesta publicamente em tom acusatório, o que inevitavelmente macula a lisura do julgamento.

 

A dualidade de funções – de investigador e julgador – afronta o sistema acusatório adotado pela Constituição de 1988, em que as funções de acusar, defender e julgar são rigidamente separadas. Quando o juiz assume o papel de parte, perde-se a figura do árbitro imparcial, comprometendo a legitimidade do julgamento. Além disso, chama atenção a excessiva rigidez na aplicação das penas, muitas vezes superiores àquelas impostas por crimes contra a vida. Em diversos acórdãos recentes, cidadãos sem antecedentes criminais foram condenados a penas que beiram ou ultrapassam 17 anos de reclusão. A seguir, alguns exemplos concretos:

 

  • Matheus Lima de Carvalho Lázaro, morador do estado de Goiás, foi condenado a 17 anos de reclusão em regime inicial fechado, além de multa. A ele foram imputados os crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado, deterioração de patrimônio tombado e associação criminosa armada.

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  • Ronaldo Gaspar dos Santos, do estado de São Paulo, recebeu pena de 17 anos e 1 mês de reclusão, também em regime fechado, por delitos semelhantes, mesmo sem qualquer evidência de que tenha liderado, organizado ou financiado os atos.

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  • Rosalina Barbosa de Oliveira, de Minas Gerais, mulher, com histórico de atuação pacífica, foi condenada a 14 anos de reclusão, sendo considerada partícipe por mera presença e por suposta incitação durante os atos.

 

Tais condenações contrastam com a pena média aplicada a homicidas no Brasil, frequentemente fixada entre 12 e 15 anos de reclusão, mesmo em casos dolosos com agravantes. Ou seja, o STF tem aplicado penas mais severas a manifestantes desarmados do que aquelas impostas a autores de crimes letais. A resposta penal não pode ser movida por indignação institucional ou desejo de exemplaridade. A pena deve observar critérios objetivos, respeitando os princípios da proporcionalidade, individualização da conduta e legalidade estrita.

 

Quando o Judiciário abandona sua neutralidade e impõe sanções desproporcionais com base em um julgamento já contaminado pela exposição midiática e pelo envolvimento direto do relator, há grave risco de se instaurar um estado de exceção disfarçado de legalidade. A defesa das instituições democráticas é legítima e necessária, mas jamais pode ser feita às custas das próprias garantias que compõem o Estado Democrático de Direito. O STF tem a missão de proteger a Constituição — não de reinterpretá-la à luz de conveniências políticas.

 

A crítica torna-se ainda mais contundente quando se observa a dosimetria das penas aplicadas. Em diversos casos, manifestantes foram condenados a penas que ultrapassam 15 ou até 17 anos de reclusão por crimes como abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, associação criminosa armada e dano qualificado. Embora as condutas praticadas devam ser responsabilizadas conforme a lei, a desproporcionalidade é evidente: o homicídio simples, previsto no art. 121 do Código Penal, tem pena mínima de 6 e máxima de 20 anos – frequentemente fixada abaixo de 15 anos mesmo nos casos mais graves. Como justificar que indivíduos, em sua maioria sem antecedentes, que sequer portavam armas de fogo, recebam penas superiores àquelas impostas a autores de crimes letais? Essa incoerência penal, além de afrontar o princípio da proporcionalidade (implícito no art. 5º da CF), evidencia o uso do sistema punitivo como instrumento de exemplaridade política, em detrimento dos limites constitucionais.

 

Importante destacar que, ainda que os atos do dia 8 de janeiro tenham representado grave ataque às instituições democráticas, é papel do Judiciário assegurar que a resposta estatal seja guiada pela legalidade, isonomia e racionalidade punitiva. Exacerbar penas como forma de contenção política ou de demonstração de força institucional fere a essência do Estado Democrático de Direito. O STF tem o dever de preservar não apenas a democracia, mas também os próprios princípios que a sustentam. A justiça que se distancia da imparcialidade, e cuja resposta penal ignora o equilíbrio entre crime e castigo, corre o risco de transformar-se em vingança institucionalizada.

 

A História já demonstrou que a erosão das garantias jurídicas, mesmo que motivada por indignação popular, abre precedentes perigosos. O momento exige prudência, respeito à Constituição e, sobretudo, imparcialidade — um valor que jamais pode ser sacrificado, mesmo em nome da democracia. A História cobra caro dos que usam o Direito como instrumento de repressão política. O momento exige reflexão, moderação e, sobretudo, respeito às garantias fundamentais. Porque justiça sem imparcialidade é, no fim das contas, apenas poder.

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